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23 de Agosto de 2003
Pulo do Lobo - Serpa O Tamanho Importa? No Sábado/Domingo passado (dia 23.-24.8.)19 entusiastas do céu escuro não organizados realizaram mais um evento recorrente na terra dos malmequeres e sobreiros. Numa extensa paisagem, árrida e pouca variada, onde raposa e lebre ainda se desejam amigavelmente as boas noites e os lobos pululam de alegria, como sugere o nome da terra, um pequeno monte acolheu um aglomerado dos mais potentes instrumentos em estado portátil nas terras lusitanas. Colocando as objectivas disponíveis em fila teria dado uma linha base de 2,6 metros e o poder acumulativo, como num interferometro, correspondia a uma objectiva de 82 cm de diámetro útil. O céu, não estava muito inclinado em colaborar, mas perante tanta gente alegre e com tanto instrumento de envergadura impressionante, nem os serviços celestes conseguiram estragar a festa astral, pois a cortina da neblina apenas conseguiu tapar ou o Norte ou o Sul, como um lençol de cama curto demais. E assim, desde o mais pequeno, um apocromato de 60 mm, até ao maior instrumento da noite, um Obsession de 450 mm, e outros tantos com 200 e 250 mm de abertura, todos penetraram a atmosfera terrestre em busca e ao encontro de gáláxias (destaque para Anselmo), nebulosas (Jose, Alberto, Hugo), enxames (Paulo) etc. Para o gaudi dos astrónomos e alguns geólogos convidados, estacionados ai por perto ('perto' naqueles terras é um termo relativo como o tempo ao nivel universal), os pontos altos da noite incluiram vistas deslumbrantes, hilariantes, inesquecíveis, entre eles destaque para a nebulosa Veil, que se estendeu com brilho incomparável ao longo de vários campos aparentes na ocular do Obsession, a Helix, a uns enxames globulares ou abertos e inúmeros IC-não-sei-quantas lindissimos em todos os instrumentos. Em dada altura Marte estava simultaneamente presente em quase todos os telescópios, um balão enchido, alaranjado com topo de natas riquissimo em detalhe e largamente aplaudido. Voltando para o céu profundo, com galáxias em colisão, ou numa dança estranha de configurações no campo das oculares, todos os presentes circularam entre instrumentos presentes, numa partilha já conhecida e comum das vistas, experiências e equipamento. A curiosidade, felizmente apenas mata os gatos, pois teria havido um holocausto para a astronomia amador se isso se aplicasse ao nosso meio. A vociferação do prazer, o delírio transformado em palavra, bem como a confirmação expressa e mútua do avistamente dos objectos ou pormenores mais ténues, foi tão proeminente e bem acentuado, que o derreter da calota polar em Marte em nada ficou por detrás do derreter do coração dos astrónomos ai presentes. Foto instantânea: O José Ribeiro ("ei, já viram isso? Venham, tem que ver aquilo") a chamar os demais para trepar o escadote e gozar uma vista particularmente rica, o Carlos Seabra, todo entusiasmado a passar pela pequena multidão como um soldado americano pelo centro de uma manifestação não autorizada ("deixem-me passar"), o Hugo Silva, habitualmente silencioso como um morcego "qual enxame?" e respectiva resposta precisa ao arco do segundo vinda da escuridão do Alberto Fernandes, todo bronzeado a moda do Algarve, um "mais 2 minutos" do Rui Tripa em permanente integração e teste do equipamento em fase de aperfeiçoamento e um pequeno grupinho feminino em conversa animada sobre um Astroscan (a bola vermelha feita telescópio) ali presente, o Paulo Guedes, desprovido por culpa minha de instrumento próprio circulando entre os outros, convidar "já viram isso no Newt do Joaquim?" e outra conversa já prolongada semi-científica, semi-social, semi-política, todo-animada entre o Alcino e os seus colegas de então (geógrafos), a cadela Kika, enriquecida após caça aos sacos das compras com meio quilo de presunto fatiado e cabeça erguida a procura do prato e de uma garrafa de água, e mais algumas frases, perguntas, enfim, vozes, a cruzar o ar no mesmo instante, deram-me de repente a imagem de um infantário em plena laboração. Tanta alegria às tantas da noite num monte ao meio do nada, tanto entusiasmo, e tanto prazer individual e partilhado, fez me perguntar...será que o tamanho importa mesmo? Afinal, quando cai a noite, vê-se nitidamente que todos esqueceram o quotidiano, com os seus problemas e tormentos, tornamo-nós todos adolescentes satisfeitos com as imagens a preto e branco, tanto faz a origem, a abertura do instrumento, a marca da ocular usada, a distância focal ou a amplificação. Enriquecido com um almoço de encontro inicial, uma visita muito peculiar e inesperada (obrigadissimo Alcino) para o enriquecimento cultural, um jantar-buffet a beira do amontoado impressionante dos instrumentos em fase de aclimatização e terminando no dia seguinte com um festim e Javali bem ao gosto da banda desenhada Asterix, todos os presentes, reconfortados na alma e na barriga, celebraram este evento como o substituto bem sucedido daquilo que pensavamos a Astrofesta devia ser. Quanto ao tópico, então qual resposta posso dar? Tamanho importa, sim. Quando estamos sozinhos, importa o tamanho da abertura do instrumento para aquilo que queremos observar. E quando estamos em grupo, importa o tamanho da amizade. Enquanto o primeiro apenas está acessível a alguns felizes, o segundo está lá para todos, basta participar. Até o dito monte ser inundado mais uma vez ocupado pelo conjunto de amigos do céu, roubando o sono aos grilos e ratos do campo em redor, os mesmos marcarão presença com o mesmo entusiasmo e prazer na Atalaia. Venham ver.
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